Câmara aprova projeto que obriga trabalhador a pagar do próprio bolso perícia para receber benefício.

O Congresso Nacional vive numa bolha, cada vez mais fora da realidade do país. Só isso justifica este projeto:

Trabalhador que fica sem remuneração porque se afastou do trabalho, sem benefício porque o INSS não reconhece a incapacidade, tem de desembolsar um valor para pagar a perícia judicial.

Substitutivo aprovado, apresentado pelo deputado relator Darci de Matos (PSD-SC), prevê que os autores de ações contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) antecipem o pagamento das perícias médicas.


O artigo é da advogada Jane Berwanger, diretora do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).

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Ao tempo em que aumentam os indeferimentos de benefícios, em que os segurados do INSS têm cada vez mais dificuldades de alcançar seus direitos, duas mudanças legislativas tentam barrar a busca do Poder Judiciário.
A primeira é um projeto de lei que trata das perícias médicas judiciais. Em função da limitação orçamentária do Judiciário, têm sido repassados recursos de outras verbas para pagar os honorários dos médicos que fazem as perícias na Justiça federal. Só que a Câmara aprovou um projeto de lei que obriga os próprios segurados a pagarem a perícia. Então, temos a seguinte situação: um trabalhador que fica sem remuneração porque se afastou do trabalho, sem benefício porque o INSS não reconhece a incapacidade, tem de desembolsar um valor para pagar a perícia judicial. Ou se conforma com a negativa do INSS e chega à conclusão de que buscar a Justiça (e o Judiciário) não é para ele, não é para os pobres, é para quem tem condições de pagar. Esse projeto foi aprovado às pressas na Câmara e agora está no Senado.

Recentemente, a Câmara dos Deputados enxertou na Medida Provisória 1.045 outra medida que afasta as pessoas do Judiciário. Se essa mudança passar pelo Senado, o segurado que ajuizar qualquer ação só terá gratuidade se comprovar renda familiar inferior a três salários mínimos ou meio salário por membro da família. E para provar isso terá de se inscrever no Cadastro Social Único. Atualmente, a Justiça gratuita não tem uma regra rígida, mas em geral se utiliza do critério do teto do Regime Geral de Previdência Social, hoje no valor de R$ 6.433,57. Uma alteração de regras processuais — como a do acesso à Justiça — não poderia jamais ser inserido numa medida provisória ou na conversão desta em lei. É inconstitucional, mas, até que isso se resolva depois na Justiça, quantos cidadãos terão deixados de buscar seus direitos?

O que significa não haver Justiça gratuita? Significa que o segurado tem de pagar custas para entrar com a ação judicial. E, se perder, tem de pagar honorários para o procurador do INSS, no mínimo de 10% sobre valor da causa. Se houver recurso, esse valor aumenta. Se aprovada, essa regra vai valer até mesmo para o Juizado Especial Federal, que foi criado justamente para facilitar o acesso dos cidadãos à Justiça.

Essas mudanças não resolvem os problemas dos benefícios negados indevidamente ou concedidos com erros. Os segurados continuarão sendo prejudicados. Só que agora aumenta a dificuldade de eles buscarem os seus direitos. Em resumo, o Estado brasileiro não consegue cumprir a promessa de “dar a cada um o que é seu” e agora tenta retirar (ou reduzir) até mesmo o direito de reclamar, de acessar a Justiça. A Constituição diz que nenhuma lesão ou ameaça será excluída da apreciação do Judiciário. Se o Senado aprovar essa medida, milhares de lesões a direitos ficarão sem correção, serão consolidadas, porque jamais chegarão ao conhecimento do Judiciário.

Sabemos que o conceito de Justiça é muito relativo, mas penso que é no mínimo de se questionar: é justo retirar o direito de buscar os direitos?

O substitutivo aprovado, apresentado pelo deputado relator Darci de Matos (PSD-SC), prevê que os autores de ações contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) antecipem o pagamento das perícias médicas — a não ser em casos de baixa renda ou assistência judiciária gratuita.

O Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) elaborou uma análise técnica sobre a proposta e apontou violações constitucionais. Isso porque o projeto transferiria a responsabilidade do Estado ao cidadão e levaria em conta um critério meramente econômico para condicionar o acesso ao Judiciário.

De acordo com o instituto, o magistrado deve analisar cada caso concreto, já que a gratuidade da Justiça não depende da condição de miserabilidade social, mas da “hipossuficiência econômico-financeira do interessado”, dentre outros fatores.

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