Sebastião Melo, prefeito de Porto Alegre: “Não tem onde montar 14 mil barracas”

Prefeito da capital gaúcha adverte: um dos maiores dramas da reconstrução será encontrar lugar para as pessoas que estão instaladas em abrigos e para aquelas que buscaram refúgio em áreas da cidade, mas que não têm casa para morar

Entrevista concedida ao Correio Braziliense.

A capital do Rio Grande do Sul tem, atualmente, por volta de 14 mil pessoas vivendo em abrigos por causa das enchentes que devastaram o estado — e quase o mesmo número morando fora dessas instalações provisórias. Mas, segundo o prefeito Sebastião Melo (MDB), a capital gaúcha não tem um espaço suficientemente grande no qual possa instalar todos esses desalojados. “Não temos onde montar 14 mil barracas. Não há nenhuma área com essa capacidade. O máximo que consigo abrigar no Porto Seco são 800 pessoas”, adverte. Por causa dessa dificuldade, ele vê apenas uma saída: que com ajuda dos governos estadual e federal, os projetos para a construção de moradias populares, ou mesmo compra de imóveis hoje desocupados, sejam acelerados.

Sebastião Melo (MDB), prefeito de Porto Alegre. -  (crédito: Henrique Lessa/CB/D.A Press)

Como será a reconstrução de Porto Alegre?

A limpeza da cidade começou e vai custar uns R$ 100 milhões. A retomada econômica é desafiadora: são 160 mil pessoas atingidas, milhares de empresas, serviços e indústrias. Nas áreas atingidas, suspendi a cobrança de IPTU, de taxa de coleta de lixo e o ISS, mas isso é insuficiente. Tem que ter um Pronamp nacional oferecendo crédito para a micro e pequena empresa. Senão, muita gente não vai ficar de pé.

O que está sendo feito?

Nestes primeiros 15 dias, nossa prioridade foi salvar pessoas. Se não fosse o voluntariado, a tragédia seria muito grande. Tivemos que montar esses abrigos, que só na capital acolhem, hoje, 14 mil pessoas — e mais de 14 mil que foram atingidas e não foram para esses locais. Estamos trabalhando para restabelecer os serviços básicos da cidade, focando no acolhimento humanitário.

Como atender a essa população?

Concedemos um valor que chamamos de estadia solidária, que é para os desabrigados morarem com vizinhos ou com amigos por um período. A compra assistida do governo federal para os imóveis de baixa renda e a Caixa Econômica têm que dar conta disso. É uma governança tripartite.

E a moradia para os desabrigados?

A expectativa dessas pessoas é voltar para uma casa própria. Inclusive, estou indo amanhã (hoje) ao Ministério Público, pois pretendo cercar algumas áreas (de risco) para evitar que as pessoas voltem. Precisamos evitar a volta para centenas de casas nessas regiões. Mas não quero fazer isso de forma autoritária. Precisamos, também, nos atentar para a segurança pública. Numa situação dessas, aparece o que há de melhor e de pior nas pessoas. Próximo à Arena do Grêmio, temos mil famílias para realocar.

As aulas estão recomeçando. Onde por as pessoas abrigadas em escolas?

Estou apelando às escolas que nos deem um tempinho a mais. É possível que alguns abrigados possam retornar às suas casas, mas essa análise ainda está sendo feita. Vamos para a terceira reunião tripartite e precisamos atuar juntos para compartilhar decisões e como financiá-las. Mas não tem uma solução mágica, não tem como fechar os abrigos agora. Uma alternativa é colocarmos dinheiro público para os abrigos (privados) que possam continuar, e vai ter que ter uma cidade provisória. O Grêmio (de Football Porto Alegrense) tem um estádio abandonado. Tentei fazer por ali, mas eles disseram que não podemos usar. Disseram que em função dos contratos com a Caixa, não poderão ceder o espaço. Teremos que fazer isso na região do Porto Seco.

O senhor quer fazer uma cidade provisória de 14 mil barracas? Como será?

Não temos onde montar 14 mil barracas. Não há nenhuma área com essa capacidade. O máximo que consigo abrigar no Porto Seco são 800 pessoas. Para esses 14 mil, teremos que achar uma solução.

O senhor foi criticado por essa proposta.

O mais fácil é fazer críticas, difícil é dar soluções. Essa é uma das alternativas que dei — o terreno é público. Se vai para um bairro, não dá; vai para outro, não dá. Ninguém apresenta uma solução. Vou continuar acreditando no presidente Lula para dar uma solução.

Como seria isso?

Porto Alegre tem mais mil imóveis de habitação popular que o governo federal poderia comprar. Estão na faixa dos R$ 190 mil, mas a compra assistida do governo federal tem limite de R$ 170 mil. Precisamos conversar com o governo do estado e ver como complementar esse valor.

A prefeitura foi alertada sobre a falha na drenagem da cidade?

Esse engenheiro que faz essas acusações foi diretor do DMAE (departamento de águas da prefeitura) e foi do PT. Não dá para dizer que o alagamento foi causado por duas casas de bombas com problema. As cheias acontecem só em Porto Alegre? Não funcionou no Rio Grande do Sul inteiro e deveriam funcionar só em Porto Alegre?

Mas a capital tem um sistema de proteção, diferentemente das outras cidades…

Começou nos últimos dias uma tentativa de narrativa irresponsável e política de buscar um culpado. O engenheiro que denunciou foi quem fez o documento. Deixou o documento na mesa dele durante anos, aposentou-se, não fez nada. Vou chamá-lo para depor.

O senhor acredita que a competência pela proteção deveria ser do estado?

A Constituição define que essa questão de cheias é da União, mas acho que a prefeitura tem responsabilidade. Se o governo federal não tem dinheiro que possibilite empréstimos para pagar em 30 anos. Não será com o IPTU que conseguiremos investir R$ 5 bilhões para o sistema de proteção de cheias da cidade.

O senhor teve a casa atingida?

Nem tenho falado disso porque a dor da cidade é maior que a da casa do prefeito. Na região onde moro com minha mulher, minha casa e as dos meus vizinhos foram todas atingidas. Perdemos tudo. Não entrei lá. Minha mulher entrou ontem (segunda-feira), mas perdemos tudo. A água foi até o teto.

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