Opinião do Estadão: Admirável insistência no erro

Entra governo, sai governo, a Codevasf permanece como fonte de escândalos. E ninguém se escandaliza mais, diz o Estadão.

Governo Lula vai combater corrupção na Codevasf, feudo do Centrão Governo  Lula vai combater corrupção na Codevasf, feudo do Centrão

 

A mais recente investigação da Polícia Federal sobre fraudes e irregularidades em contratos da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) no Maranhão causa indignação. Mas não surpreende. Criada em 1974 para promover a irrigação do semiárido e o desenvolvimento de áreas rurais de 16 Estados, a estatal converteu-se em celeiro de barganhas entre o governo federal e o Centrão, escoando recursos do contribuinte para políticas eleitoreiras. O assombro fica por conta da tolerância com o esquema. Entra governo, sai governo, ele parece permanecer intacto.

Evidências, alertas e cobranças do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Corregedoria-Geral da União (CGU) sobre as irregularidades em obras avalizadas pela Codevasf têm sido recorrentes nos últimos anos. A cada escândalo, porém, assiste-se à negligência do governo federal. Até o momento, não se vislumbra nenhum empenho para desfazer o controle partidário da “Estatal do Centrão”, tampouco para impedir seu uso eleitoreiro por parlamentares, via emendas de relator e outros instrumentos de destinação de recursos públicos. A inércia reflete-se em obras superfaturadas e de baixa qualidade, que beneficiam empreiteiras não raro ligadas a políticos, e em doações de máquinas e equipamentos com base no compadrio típico dos tempos do coronelismo.

A recente iniciativa da Polícia Federal, no âmbito da Operação Benesse, teve relatório da CGU como base. O texto evidenciou superfaturamento de R$ 2,2 milhões em obras da Codevasf em Vitorino Freire (MA). O caso resvala no ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil-MA), incluído entre os investigados, e alcançou sua irmã, Luanna Rezende, afastada do cargo de prefeita.

Como deputado, Juscelino destinou R$ 16 milhões em emendas de relator, via Codevasf, para a cidade. Pelo menos quatro empresas cujos donos são ligados ao ministro venceram licitações da estatal para obras na cidade que, juntas, somam R$ 36 milhões. Como não bastasse, Juscelino usufruiu do asfaltamento de estrada que passa pela porteira de sua fazenda, avalizado pela Codevasf, para o qual destinou R$ 5 milhões por meio do orçamento secreto. Seus bens estão bloqueados por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Embora ilustre o uso político da estatal, esta é apenas uma das inúmeras variantes do escoamento de recursos públicos sem critérios técnicos, para atender a interesses eleitorais.

As evidências de governança falha da Codevasf e de negligência, registradas nos relatórios dos órgãos de controle, somam-se a cada escândalo. O governo federal tem o dever de estancar essa fonte de irregularidades e de resgatar a Codevasf da gestão partidária e do compadrio político. Basta de tantos malfeitos com o dinheiro público. É preciso atender responsavelmente às legítimas demandas e às necessidades de pequenos agricultores e pescadores do semiárido. E, obviamente, investigar e punir os indícios de crimes envolvendo a Codevasf. Ação estatal não pode ser sinônimo de corrupção.

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